terça-feira, 10 de agosto de 2010

O SENTIDO DA EDUCAÇÃO


A educação, uma das primas pobres neste país, deveria, penso eu, ser em grande parte repensada e reformulada. Deveria ser privilegiada entre todos os setores da vida de um povo, pois sem educação, que inclui informação, ninguém é capaz de determinar seus caminhos e escolher seus trabalhos.
Um povo desinformado não sabe o que acontece, assina o que não leu, submete-se ao que não compreendeu, barateia sua vida e sua força de trabalho, não tem horizontes e não se integra em seu próprio país, quanto mais no grande mundo, globalizado –mas não para ele.
Porém educar não é apenas instruir, ensinar a ler, escrever, calcular. Não é nem mesmo instruir em todos os anos dos Ensinos Fundamental e Médio. Educar é. Deveria ser, antes de mais nada, ensinar a pensar. Ensinar a questionar. Abrir cabeças e preparar par enfrentar a vida não apenas ganhando um ou dois ou mil salários, mas sentindo-se capaz, e consciente, para fazer suas escolhas e viver sua vida.
Educar deve ser estimular para que desabrochem todas as capacidades de uma criança, e depois, de um jovem. Fazer ver o mundo, com suas belezas, suas regras, seus perigos e suas possibilidades, na família, a comunidade, a região, o pais... o mundo, com o qual hoje nos comunicamos tão facilmente.
Estimular o discernimento, isto é, a capacidade de entender e julgar e escolher; é bem mais importante do que belos edifícios e recursos modernos, embora nenhuma criança deva estudar numa escola que está caindo aos pedaços, em más condições higiênicas, sem livros bons e bem conservados, em o material básico. Computador ajuda? Ter acesso a um mundo mais amplo de pesquisa e informação certamente é bom. Mas temos errado ao colocar computadores em salas de aula sem mesa adequada, sem instrutores e sem controle, de modo que os alunos, em lugar de aprender, brincam.
A vida não perdoa, não é brincadeira, e embora todos devam buscar uma vida saudável e harmoniosa, se possível feliz, divertir-se o tempo todo, não ter punições nem limites, levar tudo a brincadeira, não prepara para as escolhas e decisões que terão de ser tomadas.
Sem alguma seriedade não se poderá distinguir certo de errado, bom e mau, ou melhor e pior, e pouca munição teremos para a batalha cotidiana. A frustração nas primeiras dificuldades será paralisante, decepção porque ali não continuam as brincadeiras escolares, nos deixará incapacitados para sermos dentro do possível livres e autônomos.
            Sou a favor de uma escola amorosa e alegre, mas onde haja autoridade e hierarquia, e também para os pequenos a professora não seja uma tia, mas uma professora, pois a escola não é, nem deve ser, a família. Pode ser um complemento magnífico, mas jamais retirar a família a responsabilidade inicial da docência, da compostura, do respeito; ao contrário, prosseguir e incutir isso ainda mais. O que não tem a ver, repito, com pouca alegria, com medo e traumas, mas com respeito por si mesmo, pela natureza, pelo outro, e pela vida. E se conseguir um pouco disso em muitos alunos, a escola estará realizando seu trabalho primeiro, que é educar.
 (LYA LUFT)

LYA LUFT nasceu em Santa Cruz do Sul, uma colônia germânica do Rio Grande do Sul em 1938, criança, estudou numa escola de língua alemã. Apaixonada por livros desde menina, aos 11 anos decorava versos de Goethe e Schiller. Mais tarde, foi para Porto Alegre, onde se formou em Pedagogia e Letras Anglo-germânicas. Traduziu obras de Virgínia Wolf, Rilke, Hermann Hesse, Günter Grass e Thomas Mann, entre outros. Poeta, cronista, contista, romancista e ensaísta, é uma das mais prestigiadas autoras da literatura brasileira contemporânea, com sucessos como “Perdas e ganhos” (2003), “Pensar e Transgredir” (2004) e “Em outras Palavras” (2006)

(Cfr. Rev. Atividades e Experiências, ano 9, no.1-março 2008, p. 52)

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